Quando eu era pequenina, os meus pais levavam-me a viajar Europa fora. Onde o Fiat 127 chegasse era onde nós nos atrevíamos. Assim foi até eu ter idade de decidir e poder ficar em casa sozinha, vejam só, a estudar para conseguir entrar na Universidade, muito parola era eu, ok... parola é talvez um bocadinho mau demais, ingénua digamos.
Hoje entendo que não há melhor forma de
aprender, de conhecer e de abrir a mente, do que sair, sair das quatro
paredes onde nos confinamos todos os dias numa rotina parva de vida
[às vezes triste]. Hoje, que não tenho um tostão nem coragem para sair com duas
crianças pequenas por esta Europa fora disposta a montar tenda e andar
muito [muito] a pé, percebo que este tipo de memórias será o melhor
presente que poderei deixar às minhas filhas. Hoje sei que é isso que
aguça a nossa criatividade, que aumenta o nosso sentido crítico e nos
abre os horizontes no sentido contrário à estupidez crónica em que vivem
a maioria dos seres humanos e, em grande percentagem, dos portugueses.
Isto faz-nos mais humanos, mais reais, mais cultos, mais inteligentes,
mais alerta e mais capazes de lidar com as adversidades da vida, não nos
curvando a elas.
Estudei, estudei muito, fiz imensos
trabalhos, projectos, passei noites sem dormir, agarrada a um estirador,
tentando resolver problemas de paredes, de lava-loiças e retretes.
Passei 5 anos a olhar para baixo, primeiro para a caneta de tinta-da-china que tinha na mão, tentando não borrar nada num gesto
perfeccionista para quem errar não é humana, mais tarde dominando o rato
da esquerda para a direita criando linhas e conseguindo apaga-las sem
borrar [nem por isso me livrei de arranjar problemas nos tendões da mão
direita], mas foi numa viagem a Barcelona que melhor entendi o neogótico
e a importância de cada detalhe numa obra, num espaço ou em qualquer
área da vida, através de Antonio Gaudí.
Valeu-me, porém, este meu desapego e
desenraizar dos pais, da casa onde nasci, da cidade que me viu crescer,
talvez também devido às viagens que fiz, aos seus momentos tensos e a
saber que, faça o que fizer, há sempre um lugar onde poderei voltar se
algo correr muito mal. Parti [talvez] tarde, mas parti. Descobri como é
viver em alguns lugares tão diferentes da Lisboa onde nasci. Não foram
pequenas viagens de férias, foram grandes viagens de vida. Agora que
parei e que a responsabilidade da parentalidade pesa demais para andar
com a casa às costas, sinto que vou perdendo esta minha facilidade em ir
e vou ficando... mas isto tem de mudar, por elas, por nós, pela nossa
sanidade mental e realização pessoal. O mundo está aí para ser explorado e é nele que nos iremos perder, com mais ou menos dinheiro, com mais ou menos momentos tensos, com mais ou menos quilómetros a percorrer, mas sempre com a mesma intensão de ir... ir com os olhos bem abertos e com a sede de conhecer.
Adorei ler este texto! Confesso que também eu já fui um pouco "parola" e passei algum tempo mais focada nos estudos que na vida para lá das minhas quatro paredes, mas quão bom foi quando percebi o quão fascinante é o mundo que me espera lá fora!
ResponderEliminarAcho que toda a gente devia ter a possibilidade e a ousadia de viajar ♥ talvez pensassem de outra maneira ;)
EliminarBeijinhos