Há dias que nos levam a questionar por onde caminha a humanidade,
por que estradas sinuosas continuam os seres humanos a trilhar futuros
cada vez mais sombrios, desgastados e sem final feliz à vista, o que
deixaremos às gerações vindouras que apenas vão conhecendo o lado mais
sombrio do ser humano...
Enquanto navegava pela internet, num dos sites de notícias online
que sigo, deparei-me com uma história que me deixou ainda mais perplexa
ao entender a extensão da crueldade humana para com seus semelhantes
quando estes se encontram indefesos; tratava-se de uma reflexão sobre a
performance artística "Rhythm 0", ousada e complexa, talvez até
polémica, ocorrida em 1974 no estúdio pessoal da artista plástica e
performer Marina Abramovic onde a mesma se propôs a expôr o seu corpo,
vestido, durante seis horas para que os espectadores pudessem interagir
consoante suas vontades e não tendo ela qualquer acção de resposta ou
defesa; nesta performance arriscada existia uma mesa com 72 objectos dos
mais agressivos (lâminas, facas, cordas, algemas, uma pistola
carregada...) aos mais inofensivos (penas, flores, escova de cabelo...) e
que poderiam ser utilizados pelo público a seu bel prazer sem que a
artista se defendesse ou evitasse.
Seria de esperar para quem, como eu, acredita na bondade interna
do ser humano que a performance tivesse decorrido com quase nenhuma má
intenção e todos os presentes tivessem entendido o motivo por detrás de
tão perigosa decisão: ficar à mercê de desconhecidos como sendo um
objecto inanimado ou um corpo sem protecção senão a dos mesmos
interagentes; mas de facto nada de ternura, de compreensão ou
pacificidade aconteceu durante as seis horas levadas até ao fim por
Abramovic que foi sujeita a cortes no pescoço e braços, despida,
apalpada, acariciada sexualmente, agredida com uma coroa de espinhos na
cabeça, ameaçada com a arma carregada, humilhada...conseguindo mesmo
assim não interromper a performance, não se defender nem dizer uma
palavra contra os que se serviram do seu corpo para exorcizar sabe-se lá
que demónios ou frustrações pessoais. No fim da performance e após
cuidados médicos, a artista enfrentou o público com lágrimas e palavras
de mágoa por perceber na pele até onde pode ir a crueldade dos seres
humanos quando em multidão se deparam com alguém solitário, indefeso...
Podem questionar o método desta performance, achar que a artista
se expôs deliberadamente e por isso se sujeitou ao que cada um tem de
pior em si e muitos dirão até que teve aquilo que merecia porque só uma
"doida" se deixa vandalizar sem qualquer defesa ou reacção; mas o que
para mim se deve retirar deste acontecimento já com 4 décadas é que se
fosse hoje as consequências teriam porventura sido muito piores e não
duraria seis horas uma mulher frágil e indefesa no meio de pessoas cada
dia mais violentas, frustradas, agressivas, insensíveis e covardes até.
Será o Homem cruel por natureza? Teremos todos dentro de nós uma
latente crueldade apenas à espera da oportunidade certa de se revelar,
poderemos todos um dia em nossas vidas descambar para actos de violência
gratuita? Ou teremos nós a capacidade de escolher entre o bem e o mal,
de discernir o correcto e de aniquilar dentro de nós as vontades mais
primárias e animais?
Estas questões trazem-me à memória notícias recentes de casos
idênticos que se tornam ainda mais graves por se tornarem em
espectáculos de bullying, de violência gratuita, filmados por um
qualquer telemóvel anónimo sem que se trate de uma performance isolada e
vigiada; enquanto que no caso de Abramovic, tendo contornos tristes de
percepções erradas sobre o que é ser humano e repeitador para com os
demais, se criou uma atmosfera possivelmente potenciadora de reacções
mais ou menos sádicas (pese a culpa de cada um dos espectadores que
ultrapassou o limite da liberdade alheia), nos dias de hoje cada ataque
aos mais enfraquecidos é feito em plena praça pública onde qualquer um
de nós se pode ver de repente agredido, violentado, agrilhoado,
desrespeitado, indefeso perante a força dos que agem em bando reforçados
pela negligência de forças de ordem ou políticas estanque à
mediocridade da mais vil forma de ser humano: a cobardia do que sózinho é
nada e em conjunto se torna tudo!
por Nádya Prazeres
por Nádya Prazeres
Por mais que viva acho que nunca vou conseguir entender porque e que seres humanos continuam a preferir o lado mau ao bom... Em criancas tudo bem que ainda nao sabem destinguir, agora em adulto?... Triste realidade :(
ResponderEliminarParabens a Nadya por mais um excelente texto!
Bjinhosss as duas*
https://matildeferreira.co.uk/