“Catcalling
happens to most women between the ages of 11 and 17.
The largest study of
its kind has shown that 84 per cent of women, across 22 countries,
are experiencing street harassment before the age of 17 - and that
figure is even higher in Britain, about 90 per cent of women under
aged.” (in The Telegraph, May 2015)
Ser mulher não é
fácil num mundo onde ainda hoje, em pleno século XXI, a maioria das
sociedades são patriarcais, machistas, regadas por ideias ancestrais
e religiosas de que a mulher é inferior ao seu par masculino e lhe
deve obediência, respeito e vassalagem. Ser mulher não é simples
em nenhum país, mesmo no continente europeu dito mais civilizado,
não é tarefa fácil viver rodeada de estereótipos sociais e
económicos que julgam o sexo feminino frágil, emotivo, bipolar,
dado a histerismos e ainda por cima pouco fiável em cargos de chefia
( a tal “coisa” da maternidade que as ausenta do laboral
intento).
E ser mulher jovem é
ainda mais complexo quando os ditos protectores são os agressores,
os que diminuem a importância extrema de uma adolescência
confortável, segura, genuína e sem influências nefastas de uma
sociedade cada dia mais egoísta, violenta e xenófoba.
Hoje falo-vos de um
fenómeno crescente nas sociedades, nas grandes metrópoles europeias
e americanas, onde o assédio sexual verbal é constante e causa em
muitas mulheres não só desconforto como inclusive problemas
psicológicos e de autoestima. Relembrem-se de todas as vezes que
passeavam na rua, seguiam de metro ou autocarro, estavam num café
sozinhas ou num banco de jardim e um qualquer idiota vos interrompia
o pensamento com palavras impróprias, “elogios” sexuais ao vosso
corpo, rosto ou maneira de andar, lembrem-se de alguns serem ainda
mais abusados e apalparem-vos ou seguirem-vos alguns metros a
sussurrar propostas indecentes ou pedirem-vos um contacto, e tudo com
o ar mais natural de quem acha que apenas está a elogiar uma cara
bonita…(é o que muitos pensam!)
O fenómeno
internacional conhecido pela expressão catcalling não é recente
mas nos últimos dois anos tem sido mais discutido no seio das
políticas internas dos países mais afectados por este tipo de
assédio sexual às mulheres, as organizações dos direitos humanos
e ONG de apoio e proteção à Mulher têm denunciado inúmeros casos
e o que este tipo de atitudes pode causar no desenvolver saudável da
feminilidade. É urgente que os governos alterem leis e que se comece
a relacionar este tipo de assédio com o que é já punido por lei no
seio do mundo laboral.
Andar na rua, usar
transportes públicos, disfrutar de parques para caminhar, conviver
numa esplanada, visitar museus, sorrir em público, caminhar alegre
ou de rosto velado não pode nem deve ser motivo para ouvir
impropérios de homens que se julgam no direito de tentar a sorte de
ter sexo com uma rapariga/mulher, porque o acto de catcalling não é
mais que a tentativa velada de ter um encontro sexual imediato.
“Here's
something that shouldn't be a secret: guys catcall because they think
it will somehow lead to them having sex. I've never once seen it be
successful, but guys keep doing it, and that's the reason. But that's
what's really going on, and the guys doing it don't care if it's
disrespectful.
Of course it's
disrespectful! Many girls complain about it yet it keeps happening.
If it was meant respectfully, then as soon as women started talking
about how it made them uncomfortable, it would've stopped.” (by
Michael Hollan, Blogger, in Your Tango Jan.2017)
Mas para além dos
homens continuarem a achar normais os ditos “piropos”, de os
fazerem descaradamente e sem respeito e insidirem os mesmos em
raparigas jovens, muito mais que em mulheres a partir dos 30 anos, o
problema ultrapassa a questão dos géneros e reflecte-se em
sociedades inteiras que não protegem o sexo feminino, que não
ensinam nas escolas o respeito mútuo, que continuam a premiar os
homens com cargos de superioridade hierárquica, que instigam ao
banalizar de situações desconfortáveis e recorrentes sobre as
mulheres. E é ainda mais incompreensível quando lemos nas redes
sociais, nas colunas de opinião, em blogs, as opiniões de mulheres
a favor dos catcallers; quando a jovem americana Shoshana Roberts
publicou no Youtube um vídeo onde é assediada 108 vezes durante um
percurso de 10 horas pelas ruas de Nova Iorque, o que mais me
impressionou foram os comentários femininos sobre a roupa usada por
ela (umas simples calças pretas e t-shirt preta), que ela já devia
estar à espera dos ditos “piropos”, que deveria até
sentir-se elogiada, que não é nada de especial ir na rua a ouvir
desconhecidos proferir uma enxurrada de palavras de cariz sexual,
pornográfico, desconfortável e sem lhe ser pedida qualquer opinião.
Sabemos que os homens
são educados também por mulheres e estas deveriam ser as primeiras
figuras a impor a necessidade de seus filhos respeitarem o sexo
feminino, a serem cavalheiros, a saberem partilhar tarefas laborais e
familiares, a terem consciência de que homem e mulher são mais
parecidos que diferentes e ambos devem ser equitativamente
merecedores das mesma oportunidades.
Já não estamos
perante apenas questões de justiça salarial, de oportunidades de
carreira iguais, de obter cargos de chefias por merecimento e não
por género sexual, de não serem necessárias quotas, de se
sexualizar a mulher na publicidade; estamos numa era em que é cada
dia mais importante ensinar de raiz os valores de igualdade, de
fraternidade, de amor, de respeito, de partilha, de dar às mulheres
os devidos direitos enquanto cidadãs de sociedades pluralistas e
avançadas, de transmitir a filhos e netos o valor humano e não o
valor de se ser homem ou mulher ou nem homem nem mulher (outra
questão para futuro debate).
O fenómeno do assédio
sexual verbal não é recente, foi sendo tratado com leveza e como
“coisa” própria de ser homem e pensar em sexo, foi-se relevando
e as mulheres foram guardando para si o desconforto; mas nos últimos
anos o fenómeno tem crescido, tem sido discutido nas redes sociais,
tem sido objecto de queixas por parte de adolescentes e mulheres que
já não têm sobre si o espectro de ter de “comer e calar”. E é
preocupante perceber que este assédio se intensifica em países
desenvolvidos, onde há mais abertura política e social para
combater o machismo, a violência doméstica, a agressividade perante
a mulher e onde a religião não é aparentemente tão restritiva e
fanatizada, é inquietante perceber que a maioria dos catcallers se
centram em adolescentes que pelo teor da idade “complicada” já
se encontram mais vulneráveis a sentirem-se desajudadas,
desajustadas, expostas, a sofrerem de problemas de autoestima fraca e
a não verbalizarem os seus temores e as suas estórias de assédio.
É
fácil escolher vítimas mais permeáveis e do catcalling à
pedofilia e ao tráfico sexual vai um passo mais pequeno do que se
possa pensar. Urge que todos saibamos destes fenómenos, que usemos
todas as maneiras de os enfrentar e dissuadir, que sejamos
protectores e não predadores, que exijamos leis adequadas e postas
em prática, que ensinemos aos nossos homens que só com igualdade e
respeito entre sexos se deve fundar uma sociedade, um mundo melhor.
Ser-se
mulher não pode significar ser-se alvo indiscriminado de ideias
deturpadas, de comportamentos impróprios, de violação de direitos
básicos, de premissas ditadas por uma qualquer religião ou partido
político; ser-se mulher deve significar apenas ser-se humano e
respeitado como tal.